SOBRE O ARTISTA

.
A ARTE E A ALMA
.
.
.............Paulo Martinez é um desenhista que se fez sozinho. Um artista que descobriu por si mesmo. Um autor que nada deve ao fútil e desastroso sistema estético estabelecido no século XX.
.............Paulo Martinez não se importa com modas. Por isto mesmo é que, todos os dias, no silêncio de seu atelier interno, faz nascer, por transmutação, a única coisa que na arte e na vida não pode faltar: a lucidez do espírito.
.............Não é preciso falar da técnica de Paulo Martinez: ela é perfeita, brilhante, impecável. Procurem uma só coisa que, nestes desenhos, precise de correção: não encontrarão.
.............Procurem, por outro lado, sensibilidade, inteligência, poesia e talento: não é preciso procurar, isto voa como estilhaços em todas as direções. Estilhaços que ferem as almas anestesiadas. Estilhaços que fazem perplexas as almas pensadoras. Estilhaços que não são estilhaços, mas ondas de verdade-calma que fazem levitar as almas sensíveis.
.............Chega de pseudo-vanguarda.
.............Chega do pretenso novo.
.............Chega de arte como sistema.
.............Aqui está Paulo Martinez: ele mesmo.
.............Aqui está Paulo Martinez, que nasceu do nada e brilha, como o Universo.
.
Sérgio Nunes
Setembro/1997
.
.
----------------------------------------------------------------------------------
.
.
UM RARO DESENHISTA
.
Sérgio Nunes
.
.............
Paulo Martinez (1959-2001) deixou um conjunto de obras – aproximadamente oitenta peças – que o posiciona, sem dúvida, como um dos mais brilhantes desenhistas brasileiros. É compreensível que sua produção, surpreendente pelas altas qualidade e originalidade, tenha sido limitada, já que o artista, vítima de câncer aos 41 anos de idade, realizava trabalhos de complexa elaboração e extrema meticulosidade.
.............Tendo trabalhado com vários meios – óleo, aquarela, etc. –, a partir de 1983, no entanto, passou a dedicar-se exclusiva e intensamente ao desenho a grafite, técnica que elegeu, que desenvolveu até o final de sua vida e que elevou ao seu limite. A obra deixada por Paulo Martinez contribui certamente não apenas para a história da arte brasileira mas também para a internacional, dado que ele é um dos raros artistas de hoje que se desvencilharam dos ditames da arte moderna, trabalhando em uma nova direção e obtendo resultados que se diferenciam de quase tudo aquilo que foi feito no século XX. Autodidata, essa figura singular – tanto como artista quanto como ser humano – construiu sozinho a sua obra e sabia muito bem o que queria e o que fazia. Não sofreu influências externas, nunca se vinculou a nenhum grupo ou escola de moda, nunca se rendeu ao mercado. Sua única preocupação era fazer, construir. Ser humano de refinada sensibilidade e desconsertante inteligência, Paulo deixou grande saudade entre seus amigos e familiares. Extremamente lúcido e dono de humor único, possuía um reservatório de frases e expressões espirituosas que levantavam o astral de qualquer um de seus amigos em momentos mais difíceis. Lembro-me, por exemplo, da frase “Se não fosse eu, quem seria de mim?”, que ele usava em várias ocasiões, como uma espécie de lema. Além de, pela inteligência, provocar inevitavelmente o riso de quem estava próximo, a tonalidade de sua voz, ao proferir estas palavras – de um modo muito especial e impossível de ser descrito –, acompanhada de seu jeito e de seu sorriso, desencadeavam uma espécie de vibração que só quem o conheceu pessoalmente pode entender (não sei se há registro, em filmes ou em vídeos, de falas suas). Na maior parte do tempo, vivia em uma situação financeira limite, e, apesar de tudo, não se importava, não se rendia, embora fosse constantemente assediado por ilustradores publicitários, que o convidavam para trabalhar, e por pessoas que viam nele um grande retratista. Sem dúvida era um grande retratista, mas só fazia retratos quando não tinha dinheiro nem mesmo para comprar material de desenho. Não tinha tempo, estava construindo a cada dia, com grande atenção e paixão, a sua própria obra, da qual não se desligava um minuto sequer. Acordava e trabalhava até à noite em seu ateliê, absorvendo-se com a profundidade de quem procura minúsculos grãos de ouro em um monte de areia sustentado na mão – e é impressionante que esse seu solitário e intenso processo quotidiano de trabalho tenha se mantido por tanto tempo (dezessete anos) –, e, quando não varava a madrugada desenhando, geralmente saía para se encontrar com seus amigos e tomar uma cerveja, ou, de preferência, um conhaque, e conversar, rir, conversar.
.............O comportamento social de Paulo Martinez lembrava o do grande pintor contemporâneo Francis Bacon, que, uma vez internacionalmente famoso, rico e consagrado como um dos maiores artistas do século XX, continuou levando uma vida simples e solitária. Paulinho – como, a partir de agora, neste parágrafo, o chamarei, pois assim o chamávamos – era menos boêmio do que Bacon (“– Mas nem tanto...” – diria ele, com seu humor sempre presente e afiado), mas tenho certeza de que, se tivesse ficado famoso e rico, riria da mesma forma de tudo isso. “– A única coisa que a sociedade merece é ela mesma, já que só se interessa por si própria e já que, definitivamente, não me interessa” – poderia ele dizer sem demonstrar qualquer mágoa. Demonstrava, isto sim, desdém por tudo aquilo que não fosse verdadeiro, sensível, humanitário, nobre, sereno. Nos nossos vinte anos de grande amizade e intensa convivência nunca vi, uma vez que fosse, o Paulinho levantar a voz. Em eventuais momentos de confusão em algum bar em que estávamos, os clientes muito sobressaltados e já um tanto “altos”, num sábado, altas horas da noite, ele poderia estalar os dedos e dizer – animado por si mesmo e pela nossa presença (adorava os amigos), e, ao mesmo tempo, ironizando um pouco o excesso de exaltação do ambiente: “–Any go by!” (espécie de expressão “em inglês” que só seus amigos entendiam, que nos fazia rir imediatamente, e que significava uma coisa específica em cada contexto). E quando, ainda no bar, a situação chegava ao seu limite – barulho, confusão de discussões, alguma ameaça de briga –, ele então dizia algo como: “–É..., vamos embora porque daqui a pouco eles vão soltar os leões”. Nunca se irritava, nunca perdia a sua delicadeza, a sua tranqüilidade. E, na frase mais acima, por “sociedade” ele se referia àquilo – aquele “setor” da humanidade – que possibilitou, por exemplo, ao Marcinho Borges (a meu ver um dos maiores letristas do mundo), escrever, em uma letra de música: “Vem chegando a lona suja, o grande circo humano”. “Sociedade”, para o Paulinho, significava – como para mim significa – a parte podre da humanidade. O Macário de Assis – que assina Micítaus do Issás –, grande amigo, grande poeta, uma vez escreveu, referindo-se à sua visão do ser humano: “Os meus amigos não compreende a humanidade”. E, quando comenta esta frase, diz: “Parece que há um erro de português aí, mas não há” (porque por “compreende” ele quer dizer “engloba”, “envolve”, ou seja: A humanidade não engloba os meus amigos). Pois o Macário pensa o que o Paulinho pensava e o Marcinho, eu e outros pensamos de todo esse “circo” social. Aliás, por falar em humor e espirituosidade, nunca me esqueci de uma outra frase do Paulinho, de quando o levei um dia à Cantina do Lucas para conhecer o Macário, lá por volta de 1993. Eu havia feito alguns comentários sobre o Macário, figura que admiro, dizendo que ele tem uma profundidade de pensamento e uma sensibilidade semelhantes à do Fernando Pessoa. Depois de nós três conversarmos bastante – Macário tendo-lhe feito, como não poderia deixar de ser, uma grande impressão –, quando Paulinho e eu saímos do Lucas e entramos no meu carro eu lhe perguntei: “– O que você achou do Macário?” Ele, sem vacilar e numa velocidade impressionante, respondeu: “É o Fernando em Pessoa”.
.............Para falar da trajetória artística de Paulo Martinez é necessário retornar um pouco e entender o que aconteceu nas artes plásticas, nestes últimos cento e cinqüenta anos, que mudou tanto o aspecto da pintura: Aconteceu que alguns artistas, como Cèzanne, Gauguin, Van Gogh e Toulouse-Lautrec, seguidos por Matisse, Picasso, Braque, Kandinsky, De Chirico, Mondrian, Klee, Miró e outros perceberam que as qualidades próprias de cada modalidade (pintura, escultura, gravura, etc.) são aquilo que realmente conta na arte. Tanto isto é verdade que, se vários artistas se propuserem, na mesma época, trabalhar o mesmo tema – na pintura, uma paisagem, por exemplo –, como resultado teremos obras certamente muito diferentes umas das outras. Cada artista tratará o tema ao seu próprio modo, e isto sempre implica, esteticamente falando, em variações qualitativas. Em outras palavras: o que conta na arte é a Forma.
.............Assim, esses artistas sentiram que não necessitavam – nem deviam – seguir as regras da academia oficial para criar seu próprio universo. Ao contrário, seria negando essas “regras” e, ao mesmo tempo, formulando outras, que lograriam dar à luz a sua própria forma de expressão, a sua visão de mundo, o seu modo de ser. Afinal, como foi dito o que importa em uma obra de arte é a própria formulação do artista, o seu trabalho com os elementos de cada linguagem, porque é daí que nascerá a sua originalidade, a sua verdadeira contribuição. O primeiro grupo de artistas citado (chamados Neo-Impressionistas) simplificou o desenho, mudou o tratamento da cor, as variações de luz, a perspectiva, a matéria, explorou as distorções nas formas, etc. O segundo “grupo”, responsável pelo advento da Arte Moderna propriamente dita, resolveu radicalizar ainda mais a questão. Por isto decidiu abolir a representação naturalista da figura humana, da paisagem, da natureza morta, propondo, em seu lugar, as distorções anatômicas, as deformações e a utilização radical das cores primárias e secundárias (Fauvismo), a geometrização e a redução do espaço de profundidade do quadro, cuja superfície passa a ser coberta por cores sóbrias (Cubismo), e, mais radicalmente ainda, a abolição de toda referência figurativa (Abstracionismo). Despojada de qualquer elemento “decorativo” ou “descritivo” a pintura podia, enfim, ser ela mesma, mostrar o que realmente é: Estrutura, Composição, Equilíbrio, Ritmo, Harmonia, Movimento, Gesto e Cor – em uma palavra: Forma.
.............Um dos grandes passos para essas decisões foi a invenção e desenvolvimento da fotografia. Tendo sido criado um meio para registrar a realidade visível “como ela se apresenta aos nossos olhos”, os artistas plásticos se viram livres de tal “tarefa”, podendo, então, explorar outros aspectos do desenho, da pintura, da escultura. Este é, pelo menos, o argumento utilizado por esses artistas e por essas escolas. Daí nasceram todas as possibilidades existenciais e estéticas da Arte Moderna, e assim apareceram os sucessivos movimentos da primeira metade do século XX. Além dos citados (o Fauvismo, o Cubismo, o Abstracionismo) temos, principalmente, o Futurismo, o Dadaísmo, a Arte Metafísica, o Expressionismo alemão, o Surrealismo.
.............Ao longo do século XX outros artistas continuaram desenvolvendo o que foi formulado em seu início e no final do século XIX, contribuindo, assim, para o estabelecimento definitivo daquilo que se convencionou chamar Arte Moderna. A figuração naturalista estava descartada. As novas regras haviam sido aceitas pelo público. Críticos e ensaístas se dedicavam a estabelecer o novo mundo da arte, todos atentamente ligados às novas diretrizes estabelecidas pela modernidade, que, para o século XX, representou a liberação total: liberação do passado, liberação das convenções. Picasso tornou-se um mito por ter sido aquele que maior impulso deu a essa tendência, atravessando as décadas com suas constantes inovações.
.............É inegável que o advento da Arte Moderna foi essencial para a profunda compreensão dos avatares da arte. A pintura se liberou, novas Formas foram construídas, criou-se um novo mundo, uma nova liberdade. E todos se agarraram a esse novo mundo e a essa nova liberdade. Assim se desenvolveram as artes plásticas – ao menos em seu veio mais “oficial” –, na primeira metade do século XX.
.............Depois dos anos cinqüenta os artistas começaram a perceber que o modernismo estava chegando ao seu limite. Praticamente tudo já havia sido explorado na direção traçada por seus pioneiros. E começaram a ser valorizados outros artistas que há muito desenvolviam o seu trabalho de forma paralela ou marginal relativamente à modernidade. Artistas de uma outra natureza. Não mais aqueles que correm junto com o tempo, e sim aqueles que questionam o próprio conceito de modernidade, de velocidade, de industrialização – o que não quer dizer que tenham regredido ou se voltado para o passado. O mais influente deles, Marcel Duchamp, já havia contraposto à noção de tempo que corre o conceito de rétard, conceito que ele mesmo utilizaria na formulação de suas duas obras capitais: O Grande Vidro e Étant donnés. À pressa mental já havia contraposto a desaceleração do intelecto, ao fazer rápido e impulsivo já havia contraposto o fazer lento e meditado, e assim por diante. Os artistas que seguiam nessa nova e paralela direção (entre eles Jean Fautrier, Giorgio Morandi, Man Ray e, mais tarde, Joseph Cornell, Antônio Tàpies, Robert Rauschenberg, Karl Korab, Cy Twombly, Jirí Anderle, Alfred Hrdlïcka e outros) compreenderam profundamente o sentido da modernidade, e, ao mesmo tempo, se contrapuseram a esse conceito, sem, no entanto, obviamente, abandonar o que nele havia de interessante. Libertaram-se, buscando novos caminhos. Em 1966, em entrevista a Pierre Cabanne, Duchamp já denunciava a fixação dos artistas modernos ao conceito de deformação da figura, o que não seria necessariamente aplicável a todos os casos, mas que eles já haviam fixado em si e repetiam indefinidamente. Ele diz: “– ... desde o princípio do século a tendência foi para a abstração. Primeiro, os impressionistas simplificaram a paisagem em termos de cor, depois os fauves simplificaram-na também acrescentando a deformação, que é a característica do nosso século, não se sabe porquê. Por que é que todos os artistas estão tão obstinados em querer deformar?” Com esta pergunta Duchamp colocava em cheque todo esse sentido da modernidade, que se desenvolveu basicamente a partir de uma reação à fotografia mas que, talvez sem que se tenha percebido, tornou-se numa tautologia cujas premissas não se sustentariam por si mesmas e menos ainda em relação às possibilidades desenvolvidas por aqueles que viam mais à frente e que eram os artistas que apontariam para uma direção futura, como fez o próprio Duchamp.
.............Étant donnés (1946-1966), assemblage de Duchamp, é o primeiro exemplo de obra de uma arte nova. Desprendida das questões colocadas pela modernidade – embora, por outro lado, muito consciente delas, ou seja, desprendida precisamente por ter sido consciente –, esta obra revolucionária, em tudo contemporânea, deixa o passado ser o que foi (afinal a Arte Moderna é de grande valor) mas produz uma Luz que, ao mesmo tempo, e por apontar para uma nova e admirável direção, ofusca tudo o que passou. Esta direção inclui aquilo que os movimentos da segunda metade do século XX (arte pop, arte conceitual, hiperrealismo, land art, arte catastrófica, arte mínima, arte povera, etc.) colocaram como princípio fundamental: o de apresentação no lugar de representação. Este é o princípio que diz: “Eu não represento, ilustro ou faço referência a; e sim apresento, mostro, exponho diretamente”. E é assim que deve ser entendida a obra de Paulo Martinez. Tudo, nela, indica essa intenção. Se Martinez não deforma não é porque não saiba ou porque – como podem pensar alguns – “ainda não tenha chegado lá”, e sim porque não quer, ou porque não precisa. E se elegeu como linguagem primeira de seu trabalho o desenho, isto não significa nenhum apego ao “tradicional”. Observemos que o próprio Duchamp, o maior artista de vanguarda do século XX, a partir de 1946 retomou clandestinamente a pintura, a escultura, a gravura, o desenho. E, mais do que tudo, retomou a figuração – se é que algum dia a deixou efetivamente. Com certeza foi isto o que desconsertou e irritou tanto a crítica dos anos sessenta, que construiu todas as suas teorias estéticas baseando-se no trabalho cubista de Picasso e Braque e nos ready-mades de Duchamp - teorias que, na sua visão, foram negadas pela existência de Étant donnés. Houve críticos – como se observou, por exemplo, no Colóquio Duchamp de Cerisy-la-Salle, na França, em 1977 – que chegaram a dizer, explicitamente, que “não aceitam” Étant donnés. Foi essa mesma espécie de crítica tendeciosa, que imagina poder impor ao universo artístico as suas teorias e os seus dogmas, aquela que, perdendo-se nos labirintos estéticos do século XX, atribuiu a Duchamp “a confusão que agora se estabelece na arte contemporânea”. Nada disso. Duchamp sempre soube se afastar de toda essa avalanche de idéias sem sentido e de obras vazias que abarrotam os museus e as galerias de arte da atualidade. O que acontece, na verdade, é que o próprio mundo da arte, depois de criar tantas teorias, se perdeu a ponto de se desorientar, e agora flutua sem leme num oceano indefinido.
.............Por isto é importante observar com atenção a obra dos artistas que, refletindo com profundidade sobre as direções estéticas traçadas ao longo do século XX, souberam questionar e se desvencilhar dos dogmas da modernidade, encontrando um caminho próprio, livre e independente. Há, em muitos países, se não em todos, um certo número, ainda que pequeno – non multa sed multum –, desses novos artistas que traçaram o seu próprio caminho – no Brasil, Paulo Martinez é um deles –, como há também aqueles que continuam apegados ao passado: ao “moderno”, ao “contemporâneo”, à “vanguarda”. Parafraseando Drummond, poderíamos dizer que, para os novos artistas, o que importa não é o moderno e sim o eterno. Neste sentido, reflete com sabedoria Octávio Paz: “Hoje assistimos ao crepúsculo da estética da mudança. A arte e a literatura deste fim de século perderam paulatinamente seus poderes de negação; há muito tempo suas negações são repetições rituais, fórmulas suas rebeldias, cerimônias suas transgressões. Não é o fim da arte, é o fim da idéia da arte moderna. Ou seja: o fim da estética fundada no culto à mudança e à ruptura.”
.............Agora sim. Agora temos condição de falar do trabalho desses novos artistas – Paulo Martinez incluído – que existem em cada país. Não – isso é óbvio – que não deva haver mudança nem ruptura, inclusive porque, como todos os revolucionários, também eles mudam e rompem (as mudanças e rupturas são naturais e necessárias em cada revolução). O que esses novos artistas não aceitam é o culto, o dogma, o apego, a mistificação, a repetição, a fórmula, a cerimônia, o ritual. Quem pode afirmar que Vermeer, por exemplo, não estava consciente de que o que conta na arte é a Forma? Quem pode afirmar que Vermeer não sabia que toda pintura figurativa é, por natureza, essencialmente abstrata? E por que, sendo consciente disto – como com certeza eraVermeer –, um artista contemporâneo não poderia fazer um trabalho figurativo não deformado, não distorcido, não geometrizado, não “moderno”? Por que é que todos deveriam entrar no corredor traçado pela modernidade ou pela “contemporaneidade”? Por que Fernando Pessoa deveria imitar Mallarmé? Por que um poeta de hoje deveria seguir a linha do Concretismo dos anos cinqüenta? Por que Karl Korab e Alfred Hrdlïcka deveriam seguir Picasso? Por que os novos artistas deveriam deformar as suas figuras? Nada justifica isso. Eles são homens livres, e como homens livres poderiam fazer o que quisessem. E fizeram. E acertaram. Agora é preciso que brilhem, que sejam reconhecidos como merecem ser. Paulo Martinez também.
.
Belo Horizonte, maio de 2001.
Posted by Picasa